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25 de Março/Ladeira Porto Geral

A menos de 200 anos atrás, aqui no pé dessa ladeira, no beco dos Barbas, ainda chegavam escravizadas e escravizados do interior do estado. Os produtos, vendidos pelas pretas nas ruas da Quitanda e do Comércio chegavam por aqui, vindo de roças riberinhas. Todas essas roças eram trabalhadas por negras e negros escravizados, sendo muitas delas quilombos.

Nas ruas do triângulo que hoje é central mas que já foi a cidade inteira, circulavam escravizados executando todo tipo de serviço, seja para os transeuntes ou para o Estado. Dentro das casas, crianças, homens e mulheres faziam todo tipo de trabalho doméstico, incluindo criar os filhos brancos da elite. Todos os serviços, por muito tempo, foram executados apenas por pessoas negras.

No pós-abolição, juntaram-se à mão de obra negra pessoas brancas e imigrantes pobres, muitas vezes a substituindo em várias funções. A São Paulo que no início do século XIX ainda era uma vila colonial com pouca expressão começou a se transformar em uma cidade de serviços com algumas indústrias. O dinheiro vinha do café, com os fazendeiros que tinham sua vida no campo mas casas na cidade só pra fazer negócio.

A cidade cresceu e os caras investiram na indústria, com o dinheiro extraído do trabalho de pretos não remunerados; pois essa mesma mão de obra negra, agora “livre”, mantinham as indústrias funcionando e o patamar dos salários ao gosto do capitalista. Quando existia branco pobre o suficiente, os pretos se tornaram descartáveis.

Todo money que desde o começo corre nessa cidade é black, porque até quem não trabalha gera lucro. Só que a presença negra na cidade-que-cresce só é permitida nos bastidores, na limpeza e construção. Por isso a passagem do busão hoje é 4 conto.

No centro, são permitidos corpos negros apenas para trabalhar: aluga uma vaga no cortiço, metro quadrado mais caro da cidade, ou mora no pé do morro, perto da casa da patroa ou num quarto, dentro da casa dela, ou pega duas horas de bonde pra chegar.

A cidade existe pra quem pode pagar por ela, mas dinheiro ainda tem cor.

 

Com 08 anos eu já trabalhava como aprendiz de sapateiro. Trabalhava numa loja onde aprendi o ofício. Não ganhava quase nada. Era a comida e alguns tostões. Trabalhei com o Stacchini durante 15 anos […] mas tive que sair de lá. O Stacchini preferia os italianos como ele. Era 1927 […] eu aguentei todos aqueles anos as investidas dos italianos, porque praticamente eu tinha sido criado na loja, mas, em 27, chovia italiano no Bom Retiro e aí o preto saiu mesmo; acabou o lugar dos pretos nas sapatarias e nas alfaiatarias”.

Depoimento colhido por Teresinha Bernardo, no livro Memória em branco e negro.

 

 

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