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O que mantém uma estátua em pé

Mesmo em momentos de calmaria aparente, a memória cumpre sua função sobre a coletividade. Para nós, bichos humanos, a memória é a garantia da continuidade entre as gerações (tradição), e os bens culturais que herdamos do passado são a base para a formação de uma identidade, aquilo que as pessoas de determinado grupo compartilham entre si e que os diferencia em relação a quem está fora. Essa herança viaja pelo tempo de diversas maneiras, como por exemplo através de testemunhos “passados de pai para filho”, saberes em relação à terra e ao trabalho, livros e monumentos.

Nossa sociedade não inventou os monumentos. Os egípcios, por exemplo, conservavam faraós enquanto corpo e símbolo nas pirâmides. Os imperadores romanos não economizavam na construção de estátuas e arcos. Atualmente, basta uma volta no centro de sua cidade para se dar conta de que a missão de espalhar monumentos em espaços públicos faz parte de nosso mundo.

Entretanto, como sabemos, não é qualquer um que tem a capacidade de subir uma estátua. Até mesmo para elevar uma lápide funerária é preciso de dinheiro, pessoas envolvidas e uma justificativa aceitável (nesse caso, a morte). Ou seja, materializar a memória é uma questão de poder, que, junto ao pedestal, é o que mantém uma estátua de pé.

Stalin não parece muito feliz. Hungria, 1956.
Stalin não parece muito feliz. Hungria, 1956.

Tome-se como exemplo o caso da Igreja Católica, a instituição mais longeva do ocidente. Em nosso calendário, muitos feriados têm nome de santo, assim como logradouros públicos e pessoas (dia de Nossa Senhora, Largo de São Francisco, São Paulo etc). Na praça principal da sua cidade há uma Igreja, aposto. Mesmo com resistências, o cristianismo tem um papel hegemônico no campo da memória coletiva. Isso seria diferente se a instituição Igreja Católica não se engajasse ativamente na colonização européia, e, através da força das armas e palavras, acumulasse poder ao espalhar seus símbolos por todo o território ocupado.

Esse é um dos motivos pelos quais aprendemos na escola os detalhes das vidas de Cabral e D. Pedro II e não de Tibiriçá e Ganga Zumba. O alarde de uma determinada memória pode implicar no silenciamento temporário de outras memórias, de acordo com o projeto político do grupo dominante. Na maioria dos casos, as memórias subalternas permanecem vivas, mas não enquanto memórias “oficiais”. São toleradas, no máximo.

Em momentos de crise, em que as rachaduras são visíveis no bloco de poder hegemônico, essas memórias “subterrâneas” tem a possibilidade de voltar à tona, muitas vezes de forma violenta e ressentida. As recorrentes derrubadas, explosões, decapitações e intervenções em monumentos é a prova de que sempre há uma disputa em torno da memória, com os monumentos ocupando um papel privilegiado no centro desse embate.

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